
O Observatório do Clima, uma rede que reúne mais de 50 entidades ambientais, acusou nesta quarta-feira (24/7 haver ingerência ambiental por parte do Ministério dos Transportes para autorizar o asfaltamento do trecho do meio da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho.
Trata-se da extensão entre os km 177,8 a 655,7, a parte mais crítica da rodovia. Caso a obra seja feita, vai garantir a trafegabilidade em todo o trajeto de quase 900 quilômetros da BR.
A organização não governamental desqualifica o relatório do grupo de trabalho formado pelo Ministério dos Transportes que concluiu pela “viabilidade ambiental e técnica” da obra.
“Plano ambiental apresentado inclui monitoramento anual de desmate por satélite, quando fiscalização deveria ser diária; cientistas estimam impactos climáticos globais”, alerta o observatório.
Para a entidade, o parecer é um disparate: “Já imaginou o Ibama escrevendo um relatório com conclusões sobre a engenharia de uma ponte? Foi mais ou menos isso que o Ministério dos Transportes fez, ao publicar um relatório que conclui pela ‘viabilidade ambiental e técnica’ de uma estrada na Amazônia”.
A entidade diz que o relatório e o plano básico ambiental apresentado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) são “as duas expressões mais recentes de uma pressão antiga para a aprovação do empreendimento”.
Para o observatório, portanto, tudo está sendo feito ignorando dados técnicos, análises científicas, decisões das comunidades afetadas e uma série de pareceres do processo de licenciamento ambiental.
Sobre a exigência da governança ambiental que consta no relatório, a entidade disse que o Dnit “foi expressamente informado no processo de que não há governança ambiental capaz de fazer frente à magnitude do desmatamento que advirá do empreendimento”.
Outra crítica é sobre a instalação de três unidades operacionais da Polícia Rodoviária Federal (PRF) nos municípios amazonenses do Careiro, Manicoré e Humaitá.
“Vale ressaltar que, das três unidades operacionais mencionadas, a única que possui contrato assinado para a sua construção é a unidade operacional Humaitá”, diz uma nota conjunta de entidades.
Para criticar outro ponto do relatório do grupo de trabalho, no qual menciona a BR-163 (Santarém-Cuiabá) como um exemplo de modelo de governança para BR-319, a nota cita o pesquisador Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa).
“A ironia disto é considerável, uma vez que a BR-163 é um exemplo exatamente do oposto: demonstra o perigo de expectativas irrealistas de uma governança que controle o desmatamento e outros impactos ambientais que, na prática, estão em grande parte fora do controle governamental”, afirmou o cientista.
Aquecimento
O observatório adverte também que a pavimentação dos 405 quilômetros do trecho pode inviabilizar não só o controle do desmatamento na Amazônia, mas impactar globalmente o clima de maneira irreversível, em função das emissões de gases de efeito estufa por desmatamento.
“Esqueçam eficácia do plano de prevenção e combate ao desmatamento na Amazônia se essa obra for concretizada sem a garantia de governança e recursos para o enfrentamento do desmatamento ilegal. Será um desastre nesse sentido”, diz Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório e ex-presidente do Ibama.
Foto: Orlando K. Jr./ FAS